"Quando, porém, se manifestou a
benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras
de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou
mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou
sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que,
justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da
vida eterna." (Tt 3.4-7).
O contexto evangélico
brasileiro é caracterizado muitas vezes por uma teologia intuitiva, em que as
pessoas, via de regra bem intencionadas, inventam conceitos equivocados que
acreditam ter respaldo bíblico. Isso acontece especialmente quando os crentes
formulam certas conclusões doutrinárias sem a prévia construção de uma base
exegética sólida. A coisa fica pior quando essas conclusões são amparadas por
crenças cristãs populares que, com o tempo, se tornaram dogmas tão enraizados
na cabeça do povo que questioná-las pode colocar o nome de alguém na lista dos
maiores inimigos de Deus já vistos na história humana.
Esse é o caso da crença no
batismo do Espírito Santo como uma segunda bênção que o crente deve buscar
ardentemente após sua conversão e que deve vir obrigatoriamente acompanhado do
pronunciamento de “línguas estranhas”. Muitos evangélicos acreditam nisso com
todas as suas forças e defendem essas ideias como se fossem a essência do
evangelho e o cerne de toda a doutrina proclamada pela igreja. Para muitos, o
tal “batismo” constitui o alvo supremo da vida cristã e a razão central de suas
orações, louvores, cultos e jejuns.
Nada mais longe da verdade!
Em primeiro lugar, considere-se o modo como a Bíblia aborda o dom de línguas. O
NT fala tão pouco sobre esse dom que chega a criar a impressão de que as
igrejas da época não davam importância alguma a esse assunto. De fato, em toda
sua produção epistolar, Paulo se refere às línguas somente em 1Coríntios e isso
para corrigir alguns desvios. Nessa mesma epístola ele deixa claro que o dom de
línguas era o menos relevante de todos (14.19) e o coloca por último nas listas
de dons expostos em 12.8-10,28. Na sua segunda epístola dirigida àquela mesma
igreja, Paulo sequer alude ao tema.
Também em Romanos e
Efésios, onde o apóstolo faz outras listas de dons espirituais, línguas sequer
aparecem. Pedro, João, Tiago, o autor de Hebreus e Judas não dizem nada sobre
as línguas, fortalecendo a verdade de que toda a ênfase que os evangélicos dão
a esse assunto é coisa da igreja atual sempre disposta a valorizar o que é
secundário e a desprezar o que é essencial: a justiça, a misericórdia e a fé
(Mt 23.23). De fato, assim como os católicos dão centralidade à eucaristia
(outro tema tratado muito pouco no NT), muitos evangélicos de hoje parecem dar
centralidade às línguas, sem levar em conta que nem Jesus, nem apóstolo algum,
jamais atribuiu grande relevância a essa prática.
Em segundo lugar, é preciso
destacar que a leitura do registro de Atos acerca das quatro ocasiões em que o
Espírito Santo foi derramado com evidência de línguas (sobre os judeus, sobre
os samaritanos, sobre os gentios e sobre os discípulos de João, seguindo a
sequência de Atos 1.8), em nenhuma delas as pessoas envolvidas receberam o
Espírito depois de tê-lo buscado ardentemente após a conversão.
Em Atos 2, os cristãos
judeus aguardavam (não buscavam) em oração o cumprimento da promessa da vinda
do Espírito sem ter a menor ideia de como isso aconteceria. Em Atos 8 o
Espírito foi derramado sobre os convertidos de Samaria tão logo os apóstolos
ali chegaram, sem que ninguém dentre os novos crentes clamasse, jejuasse,
buscasse e orasse pedindo isso. Aliás, Atos 8 sequer afirma de maneira expressa
que os samaritanos falaram em línguas naquela ocasião. Em Atos 10, todos os
gentios reunidos na casa de Cornélio receberam o Espírito Santo enquanto ainda
ouviam a pregação de Pedro, sem que tivessem a menor noção prévia do que seria
aquilo. Em Atos 19, os discípulos de João também receberam o Espírito tão logo
ouviram e aceitaram a mensagem completa do evangelho. Que isso acontecia assim
que a pessoa cria, sem nenhuma necessidade de busca, fica evidente pela
pergunta de Paulo dirigida àqueles discípulos de João: “Recebestes, porventura,
o Espírito Santo quando crestes?” (At 19.2).
Nada, portanto, corrobora a
ideia de que o batismo com o Espírito Santo acompanhado de línguas deve ser
buscado ardentemente pelo cristão como uma segunda bênção. Na Bíblia esse
ensino não existe. Na verdade, em Gálatas 3.2, Paulo até censura a ideia de que
alguém possa receber o Espírito Santo por meio do esforço próprio.
Finalmente, deve-se
esclarecer que o batismo com o Espírito Santo não é uma segunda bênção dada
após a conversão. Em vez disso, é uma bênção “primária” concedida no momento da
conversão, sem necessidade alguma de ser acompanhado de línguas “estranhas”. Em
1Coríntios 12.13 Paulo diz que “em um só Espírito todos nós fomos batizados em
um corpo”. Isso significa que o batismo do Espírito Santo é a inserção do
crente no corpo de Cristo, isto é, a igreja. Ora, isso acontece quando a pessoa
crê no Salvador. Nesse momento, a pessoa é inserida na comunidade dos salvos,
sendo este o "batismo do Espírito". Associado a esse batismo está
também o derramamento do Espírito sobre a pessoa que crê. Esse derramamento,
conforme se depreende do trecho da Carta a Tito transcrito acima, advém
“ricamente” ao indivíduo para que ele seja salvo, experimentando “o lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo”, tudo isso a fim de que
“justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da
vida eterna”. Afinal de contas, conforme Paulo realça, “se alguém não tem o
Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9).
Fica, assim, evidente que o
batismo/derramamento do Espírito Santo é concedido à pessoa quando ela se
converte, não havendo necessidade alguma de ser buscado intensamente pelo
crente, como ensinam por aí. Na verdade, segundo o claro ensino da Palavra de
Deus, o que o crente deve buscar intensamente agora é a plenitude do Espírito,
ou seja, o controle completo do Espírito Santo sobre a sua vida, promovendo
louvor, gratidão, humildade, santa comunhão e frutos de justiça (Gl 5.22; Ef
5.18-21).
Non nobis, Domine
Pr.
Marcos Granconato
Hoje tem até loja especializada em Campanhã Evangélica
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